terça-feira, 19 de outubro de 2010

Sorrir...

Sim eu rio, eu sonho, eu choro...
Chorar?
Pois é... Já não me lembro das flores do meu quintal...
E do azul? Do belo azul? Do grande azul?
Anoiteceu...
Por que ainda choro? Com essa lua linda sorrindo para mim?
Como posso receber esse sorriso enorme e devolver apenas lágrimas?
C'est la vie, Gabi... C'est la vie...
A solidão é um estado de espírito. A ingratidão é uma escolha.
Sorrir... Retribua o sorriso da enorme lua...
No amanhecer, verei o meu querido e grande azul...
E o verde e o rosa e o amarelo...

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Qual a diferença entre o capricho e o amor verdadeiro?



"SALOMÉ.
Tu não quiseste que eu beijasse tua boca, Iokanaan. Pois vou beijá-la agora! Hei de mordê-la com os meus dentes como se morde um fruto verde. Vou beijar a tua boca, Iokanaan! Não te tinha dito? Não te disse? Vou beijá-la agora. Mas por que não me olhas, Iokanaan? Os teus olhos terríveis, cheios de raiva e desprezo cerraram-se. Por que fechaste teus olhos? Abre-os, abre os olhos, descerra as pálpebras, Iokanaan! Porque não me olhas? Terás medo de mim?... A tua língua, que parecia uma serpe rubra secretando veneno, não se move mais; e nem mais uma palavra diz, Iokanaan, essa víbora vermelha que tanto veneno trazia! Estranho, não é? Como está agora a serpe rubra que não se move mais? Não me quiseste, Iokanaan.  Desprezaste-me. Disseste-me más palavras. Disseste bem junto a mim, que eu era lascívia e a baixeza; a mim, Salomé, filha de Herodias, princesa da Judéia! Eu estou viva e tu morto! Pertence-me a tua cabeça. Posso fazer dela o que quiser, dá-la aos cães e às aves do ar. Quando os cães estiverem fartos, as aves acabarão de devorá-la... Ah! Iokanaan! Iokanaan! Foste tu o único homem que eu amei. A todos sempre odiei e só por ti tive amor porque eras belo! Teu corpo lembrava uma coluna de marfim cuja base fosse prata, um jardim cheio de pombos e de lírios argênteos, uma torre coberta de broquéis ebúrneos. Não havia no mundo na mais branco que o teu corpo, nada mais negro que os teus cabelos, nada mais vermelho que a tua boca. Da tua voz se desprendiam perfumes de estranhos incensários e quando em ti meus olhos repousavam era como se ouvisse uma estranha música. Ah! porque não me olhaste, Iokanaan? Ocultavas, com as costas das mãos e a capa das blasfêmias, a face; punhas uma venda nos teus olhos como aqueles que só querem ver seu próprio Deus...Viste Deus, Iokanaan, mas não me verás jamais, e se  me tivesse visto, amar-me-ias decerto! Vi-te e amei-te. Oh! como te amei! Amo-te loucamente ainda, Iokanaan, a ti só... Tenho sede da tua beleza, tenho fome do teu corpo e nem o vinho nem os frutos podem desalterar ou acalmar o meu desejo! Que farei agora, Iokanaan? Nem as ondas do mar nem as águas da terra podem apagar esta chama... Era uma princesa, e desprezaste-me; era virgem e tomaste minha virgindade; era casta, e lançaste-me nas veias o fogo do amor... Ah! Ah! porque não me olhaste? Ter-me-ias decerto amado! Bem sei que terias me querido... O mistério do Amor é muito maior que o mistério da Morte."
"A única diferença entre o capricho e o amor verdadeiro é que o capricho dura um pouco mais..."


WILDE, Oscar - Salomé. São Paulo. Martin Claret Ltda., 2003.